Escrever a tradição oral indígena para lutar contra uma hidrelétrica

Enquanto os moradores e nosso grupo de pesquisadores caminhavam ao longo do rio Apayao, Lakay (Ancião) Warling Maludon apontou as partes de sua cidade natal que provavelmente ficarão submersas em breve. Como muitas pessoas do povo Isnag, Warling Maludon, de 75 anos, viveu toda a sua vida nesse vale fluvial em Kabugao, Filipinas. Os Isnag são uma comunidade indígena chamada de “povo do rio”, e seu nome significa “do interior”—o interior do rio.
Os modos de vida do povo Isnag estão centrados nesse corpo de água que atravessa as montanhas cobertas de florestas. Para algumas pessoas, trata-se de uma fonte de identidade, um local sagrado para as cerimônias tradicionais, o lar de espíritos que cuidam de seu povo bem como a fonte de inspiração para a arte, as músicas e as danças. Ele fornece peixes para a alimentação, água para a agricultura e um local de lazer para crianças e adultos.
Mas muitas pessoas veem esse rio como uma possível fonte de eletricidade e dinheiro. A Pan Pacific Renewable Power Philippines Corporation está planejando construir quatro grandes hidrelétricas para gerar energia a partir do rio Apayao e fornecer eletricidade a várias partes das Filipinas. As represas Aoan e Calanasan obrigarão algumas comunidades Isnag a sair de seus territórios, enquanto as represas Gened 1 e 2 vão submergir as aldeias Isnag e cemitérios sagrados. Até o momento, não há nenhum plano para realocar as comunidades Isnag.
Enquanto caminhávamos perto do sítio de uma hidrelétrica planejada, Lakay Warling deplorou o fato de seu povo ter que escolher entre proteger seus domínios ancestrais e sair em troca de indenização. “O que alguns de nós não entendem”, lamentou ele, “é que o dinheiro é temporário. Quando ele acaba, acaba”. Quando isso acontecer, os Isnag terão perdido seu dinheiro, seu rio e seu lar ancestral.
O que eles não perderão, espera Lakay Warling, é sua história e cultura. Isso porque o povo Isnag está se envolvendo em um projeto de resistência cultural: eles estão escrevendo sua história oral.
Muitos povos indígenas veem a documentação escrita como uma ameaça à sacralidade e à privacidade da cultura oral. Mas os Isnag tomaram essa decisão controversa e desafiadora em um último esforço para proteger suas formas de vida e provar sua propriedade da terra na batalha legal contra as hidrelétricas.
Ao trabalhar com o povo Isnag, fiquei fascinada com a resistência coletiva da comunidade. Enquanto trabalhadora comunitária que atua na antropologia do desenvolvimento e sendo uma mulher indígena oriunda de outra região das Filipinas, tenho interesse em saber como os povos indígenas buscam seu direito à autodeterminação.
Sob a ameaça de destruição, diversas gerações do povo Isnag estão unindo suas forças e encontrando novas maneiras de proteger suas tradições e terras. É um caso convincente do que o acadêmico indígena Gerald Vizenor chamou de “sobrevivência”—não apenas sobreviver, mas a criação de uma história de presença ativa por meio da resistência.
A HISTÓRIA DAS BARRAGENS HIDRELÉTRICAS NAS FILIPINAS
Desde que os Estados Unidos reconheceram as Filipinas como uma nação soberana em 1946, projetos de desenvolvimento patrocinados por empresas e pelo Estado têm destruído recorrentemente territórios indígenas em todo o arquipélago. Essa é uma realidade particularmente dolorosa em uma nação conhecida internacionalmente por estar entre as primeiras a reconhecer os direitos dos povos indígenas por meio de legislação.
Em 1997, o Congresso das Filipinas aprovou a Lei dos Direitos dos Povos Indígenas (IPRA), a qual estabelece os direitos dos povos indígenas à autogovernança e à propriedade das terras que ocupam desde tempos imemoriais. Uma característica marcante da lei é o direito ao consentimento livre, prévio e informado. Essa disposição permite que os povos indígenas tomem decisões coletivas sobre projetos e programas relativos a seus domínios.
No entanto, os setores extrativistas encontraram maneiras de legalizar invasões em terras indígenas nas Filipinas, apresentando uma “condição prévia de certificação” segundo a qual as comunidades deram seu consentimento. Em alguns casos, essas organizações teriam obtido os certificados por meios pouco escrupulosos.
De acordo com declarações juramentadas, algumas pessoas do povo Isnag dizem que foram coagidas a assinar formulários oferecendo seu consentimento para as hidrelétricas de Gened ou foram mal informadas sobre o conteúdo dos formulários. Lakay Warling e outros anciãos Isnag atestam que, em uma das consultas facilitadas pelo governo, a comissão pré-selecionou os participantes e impediu que outros comparecessem, privando desta forma o povo Isnag de seus direitos.
Alguns Isnag entraram com processos contra os agentes do governo envolvidos e a comunidade expressou formalmente seu não consentimento com as hidrelétricas de Gened. Ainda assim, tudo indica que o projeto será levado adiante porque, como o governo argumentou durante as consultas em Kabugao, a empresa cumpriu as exigências da IPRA.
Além disso, embora a empresa da represa tenha oferecido uma indenização em troca da expulsão da comunidade de suas terras ancestrais, apenas algumas famílias se qualificam para a remuneração. Além disso, o valor baseia-se na área de terreno indicada no título da terra, e a maioria das terras Isnag não é titulada.
“Aqui em Waga, menos da metade das famílias será indenizada”, explicou Lakay Warling. “Em Bulu, a aldeia vizinha, apenas uma família será paga. Seremos iguais às pessoas que perderam suas terras por causa do Ambuklao.”
A hidrelétrica de Ambuklao foi uma das primeiras megabarragens construídas no norte das Filipinas, em meados da década de 1950. O projeto hidrelétrico expulsou os povos indígenas e os impediu de manter suas práticas de cultivo de arroz. Nem todas as comunidades que receberam a promessa de indenização receberam o que lhes era de direito. E, apesar da promessa de geração de energia da barragem, as comunidades afetadas não foram conectadas à rede elétrica até 50 anos depois.
Apesar de normas como a IPRA e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, projetos de desenvolvimento sancionados pelo governo, a exemplo das hidrelétricas de Ambuklao e Gened, mostram como os territórios indígenas acabam sendo frequentemente reduzidos a meros recursos que podem ser explorados sob o pretexto de progresso.
Mas esses projetos também se tornaram um impulso para que as comunidades indígenas se unissem para resistir à destruição de suas formas de vida e exercer seu direito à autodeterminação.
A RESISTÊNCIA ATRAVÉS DA ESCRITA DAS TRADIÇÕES ORAIS
Depois de nosso grupo pegar um barco até a casa da família de Lakay Warling, ele acendeu o fogão para preparar o café. Enquanto esperávamos, Ot-ot, um jovem Isnag que está co-liderando a luta da comunidade, falou sobre a importância das tradições orais. “Nossas ad-adodit (histórias tradicionais) carregam a sabedoria de nossos ancestrais”, diz ele.
Por meio da contação de histórias, o povo Isnag transmite conhecimento sobre seus modos de vida tradicionais, inclusive sobre a gestão e a proteção de recursos, modos de alimentação sustentáveis, sistemas de liderança e governança, práticas de saúde e bem-estar e tecnologias materiais. Por exemplo, os Isnag participam de um ritual de luto e uma prática de conservação chamado lapat—um período em que as pessoas não podem pescar nem derrubar árvores, o que permite que o rio e a floresta se regenerem. No final do lapat, elas pescam peixes para serem servidos em cerimônias.
Entretanto, o apagamento dos territórios Isnag devido às represas traria consigo o silenciamento de suas histórias—e seu apagamento da História. Há pouca literatura sobre os modos de vida dos Isnag, e os poucos documentos publicados são, em sua maioria, escritos por estudiosos que não pertencem à cultura Isnag.
“Não temos materiais escritos sobre o assunto em nossa comunidade ou nas bibliotecas escolares”, diz Ot-ot, acrescentando que isso resultou no “enfraquecimento do conhecimento” da geração mais jovem sobre as tradições Isnag. “Ironicamente, temos uma rica tradição oral com muitas histórias sobre o rio e nosso povo”, acrescenta. “Precisamos registrá-las, ou então corremos o risco de perder muitos conhecimentos.”
Ot-ot explicou que registrar as tradições orais dos Isnag poderia ajudar a estabelecer a propriedade de suas terras e, ao mesmo tempo, combater as ameaças das indústrias extrativistas. De acordo com a legislação filipina, documentar sua história pode dar apoio às reivindicações sobre seus territórios. A lei filipina reconhece a tradição oral como um dos polos importantes das culturas indígenas. Ela é considerada prova da conexão de longa data dos povos indígenas com suas terras, o que é necessário para que o Estado reconheça suas reivindicações de terra como legítimas.
Entretanto, de acordo com a lei, a tradição oral não pode se sustentar sozinha. Ela deve ser complementada por outros elementos da cultura indígena, como sistemas de justiça consuetudinária, sistemas de parentesco, folclore e cultura material. Por exemplo, se as Histórias Orais fizerem referência a pertences ou paisagens associadas a períodos específicos, a comunidade deverá procurar evidências comprobatórias, como objetos arqueológicos.
O problema é que, para ser reconhecida legalmente, a tradição oral deve ser documentada e apresentada à Comissão Nacional dos Povos Indígenas. Portanto, é importante saber quem escreve a tradição oral e por quê.
Ot-ot também explicou que alguns membros da comunidade a favor da barragem enviaram à comissão uma versão da Tradição Oral Isnag que não foi validada pela comunidade. Isso preocupa Ot-ot, Lakay Warling e seus aliados opositores da hidrelétrica, que constituem a maioria da população da região. Eles temem que a versão pró-barragem da história Isnag minimize ou conteste a centralidade do rio Apayao para a comunidade.
Mesmo fora das disputas em relação às barragens, determinar como escrever as tradições orais não é uma tarefa fácil. A escrita pode afetar a integridade das tradições verbais e a experiência de aprender em comunidade. A tradição oral envolve a construção de relações por meio da escuta interativa. Ela consiste em movimentos e gestos carregados de significado que as palavras escritas não conseguem captar.
Além disso, a história escrita geralmente é contada a partir de uma única perspectiva, portanto, pode ser limitada em comparação com a narração de histórias e as discussões que ocorrem em um ambiente comunitário. A tradição oral tende a ser fluida, enquanto o registro escrito dos costumes orais tende a congelá-los no tempo, dificultando a capacidade das pessoas de adaptá-los a diferentes contextos.
Além disso, alguns anciãos indígenas argumentam que nem tudo em sua cultura deve ser compartilhado com pessoas de fora da comunidade, pois isso diminuiria a sacralidade de suas práticas. Uma vez que algo é escrito, eles temem que seja exposto ao público em geral.
Para avaliar a melhor maneira de documentar sua cultura oral, Ot-ot e outros líderes jovens Isnag organizaram um magdudungu—a prática da comunidade Isnag de se reunir para comer e compartilhar histórias—com Lakay Warling e outros anciãos. O magdudungu ajudou a convencer alguns membros da comunidade de que o registro das tradições orais não tem o objetivo de substituir as formas tradicionais de transmissão de conhecimento, mas sim de reforçá-las diante das ameaças do desenvolvimento.
Como resultado dessas discussões, os Isnag documentaram suas ad-adodit (histórias orais), seus cantos, suas receitas tradicionais e muito mais. Ot-ot diz que o magdudungu se tornou um espaço educacional para a geração mais jovem, muitos dos quais agora estão ansiosos para aprender mais sobre como seus ancestrais viviam e para ajudar a manter sua própria identidade Isnag. O magdudungu também valorizou a agência dos Isnag, oferecendo um espaço para a resistência coletiva às estruturas e condições opressivas que privam os povos indígenas de seus direitos, os desapropriam e os discriminam.
Enquanto tomávamos nosso café, Ot-ot e Lakay Warling trocaram lembranças sobre o rio Apayao e seus significados para os Isnag. Lakay Warling suspirou de alívio pelo fato de que, apesar das ameaças à sua sobrevivência cultural, gerações de Isnag estavam se unindo contra o projeto da hidrelétrica.
“Vocês vão continuar lutando contra as barragens mesmo sabendo que a construção é iminente?” perguntei.
“Sim”, respondeu Lakay Warling. “Estamos fazendo isso não apenas por nós que estamos vivos hoje. É pelas gerações que ainda não nasceram e pelas gerações que nos deixaram. Continuaremos resistindo, mesmo que o governo também continue a nos dizer para irmos embora.”
Desviei meu olhar para Ot-ot, que estava em contemplação silenciosa. Quando eu estava a ponto de tomar mais café, percebi que minha xícara não tinha mais. Estava me perguntando de onde vinha o gosto amargo.
Almoçamos em silêncio. Talvez estivéssemos procurando palavras para capturar a ambivalência que tínhamos sentido desde a manhã. Se há algum conforto nesse silêncio, é o fato da luta dessa comunidade continuar, mostrando assim que os povos indígenas, quando levados aos limites, farão o que for preciso para sua sobrevivência.